Primeiramente,
gostaria de dizer que esse texto não apresenta nenhuma posição partidária,
embora eu esteja do lado esquerdo da força. Ele é, simplesmente, um esforço
intelectual para amenizar meus piores instintos – os quais estão sendo
aflorados pelo o que tenho lido nas redes sociais e ouvido em alguns lugares
por onde circulo. Em segundo lugar, sigo o texto com o foco voltado para aquilo
que está por trás das relações sociais, o que, de maneira muitas vezes
indecifrável, justifica o voto nesse ou naquele candidato. Ou seja, além do
caráter meramente egoísta deste texto (o de amenizar meus instintos primitivos
do estado de natureza hobbesiano – como já dito acima), há também aqui uma
preocupação sociológica em criticar (por favor, leiam no dicionário o
significado dessa palavra – pois ser leigo em relação a ela é o que justifica
tais constatações anti-republicanas do tipo “Política e religião não se
discutem”) determinadas posições tomadas nas Eleições 2014, que nada mais são
que posições sociais, como marcação de território, do que quero e do que não
quero – ou, como no discurso falso-moralista da velha-nova direita
conservadora, do que é certo ou errado. Então, é importante que esteja claro:
num mix (palavra inglesa que uso aqui
para homenagear meus queridos amigos amantes do domínio cultural
norte-americano – o pior dos terrorismos, diga-se de passagem) de egoísmo e
sociologia, este texto não pretende fazer análises do comportamento do eleitor
e de como ele vota – deixo isso para os cientistas políticos.
Dito isso, posso seguir. É com muita
tristeza e felicidade, ao mesmo tempo, que observo o processo eleitoral pelo
qual estamos passando. Há tempos não se via uma eleição presidencial tão
disputada. Talvez só teremos certeza do eleito dias antes da eleição – e “olhe
lá”. Considero isso importante para a democracia e, queiramos ou não,
representa um maior envolvimento do cidadão brasileiro com o processo
eleitoral, o que, mesmo que seja apenas um dos direitos de exercício de
cidadania, contribui para o fortalecimento de algum tipo de participação
popular. Também fico feliz em perceber que muitas pessoas, antes indiferentes à
qualquer manifestação política, agora participam, defendem seus pontos de vista
e até militam voluntariamente – a maioria, nesse caso, os militantes de
esquerda. Quem entrar agora, nesse momento, no Facebook ou no Twitter vai
perceber que o assunto mais falado são os debates, o que um candidato disse, o
que não disse, etc. Não podemos negar que isso é um ponto positivo.
Mas aí é que vem a parte triste
disso tudo: acredito que estamos num momento de transição, e as eleições
proporcionais deram uma boa margem para esse argumento. Ora, ao mesmo tempo em
que candidatos ultraconservadores, como Feliciano e Bolsonaro, recebem grande
parcela dos votos em seus Estados, outros, de caráter progressista e de
esquerda, batem recorde de votação nacional e local, como Jean Wyllys e Marcelo
Freixo, ambos do Rio de Janeiro. Percebam que – e agora estamos nos aproximando
da argumentação central desse texto – a eleição de candidatos tão distintos
demonstra não somente uma contradição macropolítica, como também uma
politização às avessas do eleitor brasileiro – e das próprias relações sociais.
Ao mesmo tempo em que o eleitor começa a discutir política, é quando surgem os
maiores graus de despolitização. Como bem disse a minha querida professora
Maria Eduarda em texto no El País, a discussão é pautada por uma moralização do
discurso, o que, dentre outras coisas, entrava o debate político. E na
macropolítica isso é claramente a agenda das propagandas eleitorais – não há
dúvida, basta assistir aos últimos debates. Mas, como a macropolítica não é
objeto desse texto, podemos, agora, falar daquilo que existe de mais grave,
conservador, anti-republicano e destrutivo nesse processo eleitoral: o que está
por trás da posição (a)política da nova direita brasileira – e isto eu falo dos
amigos mais distantes aos mais próximos (com justiça, salvo pouquíssimas
exceções).
Para
isso, vou, brevemente, restringir minha análise ao segundo turno da eleição
presidencial, que é quando iniciaram, mais claramente, as tomadas de posição de
direita. Há vários estudos na área das humanidades, como Sociologia, História,
Antropologia, Psicologia, entre outros, que chamam a atenção para o
enraizamento histórico-cultural de costumes anti-democráticos, como o racismo,
a homofobia e machismo, e outros, de caráter ético, como a corrupção na vida
cotidiana e nas instituições públicas. Este termo “enraizamento” não é por
acaso, pois ele se refere a características culturais de parte da sociedade
brasileira que são, de fato, a razão de sua existência – no sentido de que, em
termos mais amplos, não poderíamos imaginar um senhor de engenho sem escravos.
E, para além disso, este termo traz consigo uma questão ainda mais importante:
tais características se assemelham à metáfora da raiz, pois estão por debaixo
da terra, nas camadas mais íntimas do sujeito social.
Por
exemplo: em alguns testes que venho fazendo aleatoriamente, sem nenhuma
precisão científica, é verdade, é claramente perceptível a refutação de temas
tão caros a um país justo e igual. Ao perguntar sobre questões machistas,
homofóbicas ou racistas, muitos dos que tendem para a velha-nova direita buscam
argumentos que não discutem a questão em seu conteúdo, mas sim em suas
justificativas – como se houvesse, em algum caso, justificativa para
comportamentos discriminatórios. Mas, pelo seu caráter enraizado, tais posições
e argumentos só aparecem nos momentos mais críticos do debate e da discussão.
Ora, qualquer semelhança com o tom de voz elevado do ilustríssimo Aécio Neves
para a candidata Dilma Rousseff ou do seu dedo erguido em direção à Luciana
Genro são meras coincidências. Há aqui uma conexão entre candidato e eleitor
(no caso da direita conservadora atual) que representa fortemente um ódio de
classe, gênero e raça, que está na origem da cultura colonial brasileira – e que
agora, com a fragilização do PT e a possibilidade da volta do conservadorismo
extremo, aparece de maneira sutil ao mesmo tempo que agressiva. De fato, não é
um contexto dos melhores, pois o apoio ao candidato Aécio Neves é pautado no cinismo
odioso de “que os corruptos vestem vermelho e nós, seres divinos, carregamos a
espada da justiça na mão direita.” Os discursos do candidato em questão não se
afastam disso, pois, ao vestir a carapuça da ética, ele estimula o ódio e
contribui para o esvaziamento do conteúdo político do processo eleitoral – e já
que há um alto grau de despolitização, parte dos eleitores compra suas ideias.
E
é a partir de tudo isso que a adesão à essa posição “política” aparece da forma
mais cruel: as características anti-republicanas, aquelas enraizadas, de
caráter inconsciente, começam, pouco a pouco, a tomar consciência de si, a
partir da legitimidade midiática e da posição do partido da oposição, o que,
dentre outras coisas, influenciam diretamente nas relações sociais cotidianas –
o caso da ameaça sofrida pelo humorista e escritor Gregório Duvivier ilustra
bem tal consequência. E daí surge um problema de legitimação institucional:
caso Aécio Neves seja eleito, até mesmo os seus eleitores mais esclarecidos e
bem intencionados, estarão legitimando institucionalmente, na imagem do
presidente que elegeram, valores sociais que contribuem para o conflito odioso
de classe – que não levam em conta a posição de ideias políticas, mas sim sua
condição de classe, gênero e raça. Somado a isso, há a elitização crescente do
Congresso Nacional e das Assembleias Legislativas Estaduais (que pode ser tema
de outro texto) que não irão tardar em transformar tais valores sociais em
leis. E aí, corram para as colinas!